Alerta de Spoiler

A polícia usa áudios gravados para chantagear uma velha raposa que sonega bens à Receita.

Enquanto isso, uma organização criminosa age impunemente, colocando a população em pé de guerra. Tudo alimentado com discursos de ódio entre classes.

E o chefe de Estado nem desconfia que o vice é o líder da quadrilha.

Zootopia, novo filme da Disney. Uma graça.

Pechinchar

Pechinchar é como jogar cartas. Para quem vende e para quem compra, é preciso ter segurança sobre o que se tem em mão e sobre o que deseja do outro. Ser firme quanto ao limite do ceder. E, principalmente, ter um talento incrível para blefar sobre tudo isso.

Além de um exímio pedreiro, meu tio sempre foi um excelente trocador. Saía de casa com uma bicicleta e chegava mais tarde com uma moto. Saía com uma moto e chegava com duas. Trocava uma delas por um som profissional, uma bicicleta e ainda o dinheiro do mês. Depois, recomeçava o ciclo. E ficava puto nas raras vezes em que “levava canudo”.

Aquilo me irritava quando criança, mas hoje enxergo uma beleza que nunca havia enxergado naquele sistema de escambo. Melhor, percebo que, de alguma forma, aprendi com tudo aquilo, afinal muitas vezes a vida é pura pechincha.

Na Revista (in)visível

A edição número 2 da revista (in)visível aborda a loucura sob diferentes aspectos e leituras. Um dos textos selecionados para a edição, lançada em abril de 2014, foi um dos capítulos do livro-reportagem “Por Trás dos Muros”, que conta a história de Manoel. A revista é uma produção luso-brasileira independente e autoriza a livre reprodução do seu conteúdo. Vale conferir!

Clique aqui para baixar a edição.

Capa

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Vamos ao que interessa

Absolutismo

Durante a semana, ouvi vários amigos comentando sobre a entrevista de um pastor no programa de Marília Gabriela. Alguns estavam indignados e outros indicavam a entrevista como um debate interessante de se ver. Não resisti à curiosidade e assisti agora. Como esperava, mais do mesmo. De um lado e de outro.

O pastor cumpria ali seu papel de se sobrepor à apresentadora com seus discursos fabricados na igreja – e dos quais jamais pode abrir mão, sob risco de perder a credibilidade entre os “fiéis” – e a apresentadora de garantir audiência para a emissora de TV.

Os pontos que seriam os mais interessantes do debate acabaram coadjuvantes em meio a uma discussão vazia sobre a homossexualidade e suas causas. Gostaria de saber mais, por exemplo, sobre o enriquecimento absurdo da empresa religiosa do pastor e sobre as consequências de tanta influência do universo religioso no Estado e na mídia, coisas que me deixam preocupadas hoje no Brasil. Tanto quanto me deixa abismada a capacidade de comunicação e marketing desses líderes religiosos, que abocanham audiências inacreditáveis mesmo entre aqueles que acreditam estarem combatendo os discursos de ódio.

Acredito que quanto mais audiência se dá às minúcias destes discursos, seja positiva ou negativa, mais poder eles ganham entre aqueles que os defendem. O que devemos discutir e criticar duramente, sem arrodeios nem argumentos apaixonados, são as consequências de uma visão absolutista para a sociedade – coisa que a humanidade conhece bem.

Em tempo: é QUASE invejável a inteligência emocional e a capacidade de manipulação destes líderes religiosos. Eu disse “quase”. Pois fico com a – talvez melhor da entrevista – frase final da Marília Gabriela: “que o meu Deus os perdoe”.

Para complementar, um texto que gostei e recomendo sobre a tal entrevista: Absolutamente.

O Impossível – a tragédia relembrada

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Não lembro a última vez que uma produção mexeu tanto comigo dentro de uma sala de cinema. “Impacto emocional” é mesmo uma expressão bem coerente com o filme “O impossível”, que os cinemas de Maceió tratam como algo que deve passar logo ou que não vale a perda de tempo. A estreia foi lá pro dia 20 de dezembro e o Centerplex já o tirou de cartaz. O Lumiére ainda tem UMA sessão, em UMA sala, DUBLADO, às 21h, para quem não tem muita coisa pra fazer na manhã seguinte. O Kinoplex é o único que mantém sessões legendadas, são duas, ambas à noite, uma delas em um horário mais interessante.

Concordo com as críticas que li e ouvi sobre a qualidade do filme, sobre a excelente atuação dos atores e atrizes e inclusive sobre o exagero e pieguice em algumas cenas de apelo emocional, desnecessárias diante de todo o drama que se passa na tela. Mas em resumo um filme com efeitos especiais convincentes e bem marcante, especialmente por tratar de uma tragédia que matou mais de 200 mil pessoas há oito anos e que a mídia ocidental só lembra de quando em vez. Também, foi lá do outro lado do mundo, longe da América, não é? Quem liga?…

O filme mostra o drama de uma família (pai, mãe e três filhos) que sobrevive ao tsunami na Tailândia, quarto país mais atingido pelas ondas: cerca de 11 mil morreram. Na Indonésia foram 127 mil mortos. E aí vem o tema da esperança, do acreditar que “o impossível” pode acontecer, do amor, e aquele sentimentalismo todo de Hollywood. Bom, a tragédia foi na Ásia e atingiu parte da África, mas a família protagonista é britânica, branquinha de neve, financeiramente confortável e passava férias em hotel fantástico quando foi surpreendida pela onda gigante. Separados em dois grupos no impacto, inacreditavelmente os cinco se reencontram em um final feliz e “impossível”.

Mas o aviso inicial e uma foto caseira no final indicam: tudo baseado em história real. Pesquisei um pouco e li que esta família seria espanhola, mas não encontrei nada mais aprofundado sobre a citada história real (se alguém souber me indica). Tivesse lido e acharia o roteiro menos forçado neste sentido. Mas confessemos: às vezes amamos essa coisa hollywoodiana, especialmente quando todo o resto, de tão cru e cruel, é convincente. Destaco dois pontos que me chamaram a atenção: o esforço do garoto Lucas para ser “grande” e forte para cuidar da mãe e o breve diálogo sobre as estrelas entre o menino Thomas e uma senhora, que agora vi se tratar de Geraldine Chaplin, primogênita de Charles Chaplin.

Sobre o drama social real, encontrei no Youtube dois vídeos assustadores que mostram como um tsunami pode devastar uma cidade, um deles filmado de um hotel na Tailândia. Acredito serem imagens reais e por isso compartilho: http://migre.me/cFrom (Tailândia) e http://migre.me/cFrql (Japão).

O que Dona Irene aprendeu e ensinou sobre Zé Pelintra

Zé Pelintra, ilustrado por Weber Bagetti, na revista Graciliano nº 14

Zé Pelintra, ilustrado por Weber Bagetti, na revista Graciliano nº 13

Um dos lugares onde eu mais aprendo e me emociono é dentro de casa. Minha avó, Dona Irene, se delicia com a nova edição da revista Graciliano e faz festa por conhecer a real representação da entidade “Zé Pelintra”, sobre quem ela “ouvia muito falar quando era criança, em Pernambuco”.

– Eu ouvia muito sobre ele, mas muita coisa ruim. Agora descobri que é meu conterrâneo. É muito bom ler. A pessoa que não lê e não aprende, não tem valor.

Dona Irene queria ser professora, mas só teve oportunidade de estudar até a quarta série do Ensino Fundamental. Até hoje, porém, tem sempre nas mãos, sob os olhos, qualquer coisa que tenha três ou quatro letras escritas. Também adora lápis, caneta e papel limpo, onde traduz muitos pensamentos em cordel.

Zé Pelintra e outras entidades e orixás das religiões de matriz africana foram ilustradas pelo artista plástico Weber Bagetti na revista Graciliano nº 13, para a qual tive o prazer de também escrever sobre uma pesquisa da Ufal que mapeou os terreiros existentes em Maceió.

Você pode conferir as imagens e os pontos de venda da revista no Blog da Graciliano. É só clicar aqui! 

😉

Educação ainda não alcança os sonhos

– Tu é doutora?

Uns cinco minutos antes da pergunta, a jornalista havia dobrado a esquina à esquerda, rumo a uma ruazinha sem muita presença humana e onde barulheira da festa pública parecia menor. Um pouco de silêncio era essencial para atender ao telefonema originado da capital.

Enquanto gesticulava ao passar informações à interlocutora – uma colega da imprensa atrás de informações do setor público – percebeu o menino franzino parado bem à sua frente. Assim, sem receio de parecer impertinente, ele parou para ver e ouvir a conversa. E, sem cerimônia alguma, olhava fixamente para o rosto da jornalista.

Ambos estavam separados por, no máximo, uns 40 centímetros. E de nada adiantava um passo para trás ou para a frente ou uma volta de 360°. O menino continuava ali, determinado. Pela aparência física, devia ter uns sete ou oito anos. Pela impertinência – sim – no máximo uns três, como aqueles pequenos sem a menor consciência dos atos praticados.

– Oi? – finda a ligação telefônica, a jornalista indagou, esperando uma resposta à altura da inconveniência.

Ao contrário, como uma alienação momentânea a impedira de imaginar, recebeu a resposta de uma criança. A resposta que era pergunta:

– Tu é doutora?

Fiquei sem palavras. Na calçada da ruazinha tranquila, abaixei-me à altura do menino e retruquei:

– Como?

– Tu é doutora? – repetiu o garoto, balançando a cabeça como perguntando se eu era surda.

Estávamos no pequeno município alagoano de Carneiros, na última sexta-feira (29), onde a Prefeitura Municipal realizava festa anual em homenagem aos trabalhadores, com direito a praticamente tudo que uma boa festa do interior nordestino ainda precisa reservar se pretende ser mesmo boa: barraca de tiro ao alvo, quebra-potes, subida no pau de sebo, e até corrida de jegues, competição pra lá de acirrada no local.

Carneiros é um município com 8.290 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2010. Há cerca de trinta anos a população estava acostumada a ter água de 15 em 15 dias nas torneiras de casa, situação melhorada agora com a duplicação da adutora da região. E eu estava lá a trabalho, como assessora de Comunicação da Secretaria de Estado da Infraestrutura, justamente para acompanhar a inauguração, também naquele dia, da obra realizada pelo Governo Estadual.

O menino me desconsertou. Seu primeiro nome é Bruno e a idade, como o corpo franzino não denuncia, é 10 anos. Os olhos claros, talvez verdes, se misturam com os traços e a cor negra, formando um lindo rosto. No corpo, camisa, bermuda e sandálias desgastadas.

Já de cócoras na calçada, tentei entender a insistente pergunta:

– Por que você acha que sou doutora?

– Sei lá, tem cara de doutora.

Rápida e discretamente, olhei-me de cima abaixo. Camisa xadrez de mangas longas dobrada acima dos cotovelos, calça jeans preta, tênis baixo preto e uma pequena mochila preta nas costas, contendo tudo o que eu precisaria para uma viagem de quinze horas de duração, entre ida e volta à capital Maceió, passando por dois municípios do Sertão e do Agreste de Alagoas.

Ou seja – dispensadas as discussões sobre moda-trabalho – absolutamente nada que me elevasse à condição de “doutora” suposta pelo garoto.

– Você conhece alguma doutora?

– Conheço.

– Quem é ela?

– A Raquel.

– E a Raquel parece comigo?

– Parece. Tu é doutora também?

– Não sou não.

Como jornalista com aguçado espírito felino que sou, fiquei curiosa para saber mais sobre Bruno. Menino falador, contou-me que morava numa rua “seguindo ali reto” e que tinha “um bocado” de irmãs e irmãos, não soube ou não quis dizer a quantidade exata. Disse morar com a mãe, dona de casa e criadora de animais, e que o pai “morreu faz tempo”. Tive vontade de conhecer a casa, mas “ali reto” era longe o suficiente para impedir a conciliação entre a visita surpresa à família de Bruno e o trabalho que me levara a Carneiros naquele dia.

Mas o que mais chama a atenção nas falas de Bruno são seus sonhos de menino.

– Você estuda, Bruno?

– Estudo, faço terceira série.

– Você gosta de estudar?

Pensou um pouco.

– Gosto, é bom.

– E o que você gosta mais de estudar?

– Ah, eu gosto mais de Matemática.

– E, você, quer ser doutor quando crescer?

– Eu não. Quero ser policial ou vaqueiro. Mas quero mais ser vaqueiro.

– Ah, é? E o que faz um bom vaqueiro?

– Como assim?

– Você quer ser vaqueiro por quê?

– Ah, pra montar jegue e cuidar dos animais.

– E tem algum vaqueiro que você gosta mais por aqui?

– Tem, o Nego Dão.

– E a escola?

– É boa.

No tempo em que permaneci em Carneiros, Bruno ia de um lado a outro me acompanhando, ora falando, ora fazendo perguntas. Ele falava da vontade de “ser logo grande” para montar cavalos e paquerar as meninas. E contava histórias que pareciam ser frutos da imaginação, como a viagem feita pilotando uma grande motocicleta até o município vizinho de São José da Tapera. A Maceió, disse ter ido apenas uma vez, visitar uma tia “que trabalha lá”.

Mas nosso primeiro contato ficou em minha memória. Imaginei como seria o dia-a-dia escolar dele e dos amigos, quantos vaqueiros haviam no município e quantos meninos da mesma idade tinham o mesmo sonho de ser vaqueiro, deixando a Matemática, a Língua Portuguesa, as Ciências em segundo ou em nenhum plano. E saí de Carneiros com imensa admiração pelo vaqueiro Nego Dão, que ao contrário da Escola, conseguiu ser eficaz o suficiente para alcançar e conquistar os sonhos do menino Bruno.

* Bruno permitiu ser fotografado, mas preferi não exibir suas imagens aqui. Espero que minhas descrições façam jus à beleza e à inquietude características.

** Texto revisado por Larissa Lima.

😉

Seu Gógli

Na fila do banco, atendo ao telefonema da minha avó:

– Deliê, chegou uma carta aqui em casa pra você.

– Certo, de quem?

– Do “Seu Gógli”.

– De quem??!!

– Do “Seu Gógli”.

– Vozinha, por favor soletre o nome desse distinto senhor…

G-O-O-G-L-E. Gógli.

De repente, todos no banco observavam a minha crise de riso.

Coisas que só a minha avó proporciona. Vale até um Putz!, não acham?!

😉

Como esquecer

Os livros são sempre companheiros. A leitura da vez é “Como esquecer”, da escritora Myriam Campello. A obra inspirou o filme brasileiro homônimo, dirigido por Malu de Martino.

A seguir alguns trechos do livro:

Quando alguém diz eu te amo para sempre, tenha certeza que você só tem uma opção: acreditar, babaca. Eu acredito em amor eterno, Papai Noel, coelhinho da Páscoa e que todo sofrimento tem fim.

E essa missão de morte me humilha, obrigada que sou a dar marcha a ré e demolir com violência a construção que eu mesma levantei amorosamente, dinamitar memórias e paisagens talhadas para os séculos. Não saio para não ver uma cidade retorcida, ainda fumegando.

Estou abúlica, monomaníaca demais para ser boa companhia. Alguns [amigos] se cansam. O mundo contemporâneo mostra-se pouco à vontade ante uma dor que excede seus prazos exíguos. O sofrimento alheio dá enjôo. Pouco importa que se tenha perdido tudo. E daí? – pensam, tricando a torradinha. A tese de Hugo é a de que a reação dos outros é inveja recalcada: as pessoas se vingam de tantos anos de felicidade a que tiveram que assistir do sereno.

Tento puxar da vala comum uma autoestima sobressalente para enfrentar as marés que se quebram contra minha nau afundando.

1502 dias

Quando o Sol acorda, os pingos rolam quentes pelo rosto. É quando os cílios cerram com força, tanta força que o corpo levanta e vai para a vida. A menina reexperimenta o lado escuro da luz e novamente percebe que os espaços são insuficientes. E cai. Desta vez, os joelhos não têm mais força para ir ao chão clamar por aquele amor (ele existiu?). Vem então a lembrança daquele dia de Sol, quando uma forte chuva veio e a menina ouviu, mesmo que ninguém tenha dito: “agora é só você”. Aquela frase reduziu os sorrisos em seu rosto – dizem por aí que a menina ficou até pesada. A mesma frase parece ecoar agora, em meio a mais uma tempestade. A menina só espera pelo dia em que o Sol vai acordar e os pingos quentes não mais rolarão. Aí terá a certeza de que ela morreu. Por enquanto, ela só agoniza.